Prepare-se. O preço do pão nosso de cada dia vai crescer nestes primeiros meses do ano. E não só ele. A macarronada de domingo, a pizza de sexta à noite, o xis sagrado de sábado, o biscoito de café da tarde, o bolinho da manhã. Todos os derivados de trigo que afagam o estômago e fazem parte do seu dia a dia vão aumentar de preço.
O Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria e de Massas Alimentícias e Biscoitos do Rio Grande do Sul (Sindipan) estima alta na ordem de 15% a 20% ainda em janeiro. E muito provavelmente você vai pagar esta conta.
Como numa receita de bolo, não é apenas um ingrediente que dá forma a esse aumento expressivo. "Nos últimos 12 meses tivemos um aumento da farinha de trigo de 50%. Ainda teve uma alta forte nos produtos derivados de soja. A garrafinha que custava 2 reais agora custa 8. Todas as margarinas aumentaram na faixa de 100%. Embalagens dobraram de preço. Energia teve aumento de 47%. Dissídio teve um valor mais elevado este ano, de 11%", enumera o vice-presidente do Sindipan, Arildo Bennech Oliveira.
O dirigente considera improvável que a conta não chegue ao consumidor. "Tudo é custo que as empresas não têm como assumir. As fábricas, as padarias estão completamente no vermelho e precisam fazer reajustes", lamenta.
Apesar da conjuntura econômica pressionar os preços, para o Sindipan há sim um ator principal que deu volume ao reajuste iminente. "O trigo é uma parte do problema, mas uma grande parte", admite Oliveira. De maneira geral, aumentou a procura mundial pelo trigo e os custos de produção, devido à alta no preço dos fertilizantes e defensivos.
Com isso, explica Oliveira, a exportação se tornou atrativa para produtores gaúchos, com mais de 1,5 milhão de tonelada vendida para fora, o que elevou os preços no mercado interno. Soma-se a isso a dependência do Estado e do País do produto argentino, que bateu recorde de preço, o câmbio desfavorável no Brasil e temos a "tempestade perfeita" sobre as padarias.
"Não somos autossuficientes na produção de trigo no Estado e no País. Importamos da Argentina, onde a tonelada do trigo, pela primeira vez, ultrapassou a barreira dos R$ 2 mil. O que custava 200 dólares, hoje está entre 280 e 300 dólares, mas chega a 350 no Brasil por causa das taxas do governo argentino. Com o câmbio a R$ 5,70, um pouco mais, chegamos ao preço recorde", detalha Oliveira.
Gerente administrativo de uma padaria no Centro de Novo Hamburgo, Dênis Furlan confirma o inevitável: o reajuste será repassado ao consumidor. "A farinha teve um aumento histórico. O repasse nos produtos deve ficar em torno de 10% agora em janeiro e estão sinalizando que deve subir mais um pouco em fevereiro", antecipa.
Furlan reforça a análise de que o trigo colabora expressivamente para o tamanho do reajuste, mas não é a única causa. "De maneira geral, todos os insumos e custos fixos subiram, como a energia elétrica. Teve a queda do ICMS, mas aumentou o quilowatt. É inevitável que exista este movimento de repassar ao consumidor. Infelizmente, porque a população já está com orçamento apertado até para se alimentar."
Oliveira, que também é vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), explica que, além de não produzir em quantidade suficiente para atender à demanda, uma peculiaridade do trigo gaúcho impõe a necessidade de importar o produto. "O trigo que fica aqui não é bom para dar a crocância do pão francês. Serve mais para biscoito. Por isso, o Brasil como um todo precisa importar de 6 a 7 milhões de toneladas da Argentina e mais 1 milhão do Canadá e Estados Unidos, que vão para o Nordeste, por causa do frete ser mais em conta", explica.
Economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz discorda do tamanho do impacto do preço do trigo na produção de derivados do cereal. "O trigo é vendido em grão, transformado em farinha, tem todos os custos industriais, depois vai passar pelo processo de panificação, venda no comércio.
Ou seja, tem todo um processo. Como vivemos uma inflação forte nestes últimos 12 meses, tudo sobe. Não é apenas o trigo", afirma. Na estimativa do economista, o grão corresponde a cerca de 13% do preço do pão. Percentual que diverge da avaliação do Sindipan, que aponta entre 50% e 60% do valor.
Independentemente se o trigo é ou não o principal vilão do aumento dos preços, fato é que o valor dele aumentou. "O trigo está valendo mais porque importamos uma boa quantidade do trigo consumido no Brasil e o aumento da taxa de câmbio faz com que este produto se encareça. Além do mais, a própria produção nacional está bastante apertada pelos aumentos de custo de produção, que acumulam uma alta de 45% em 12 meses. Tudo está mais caro."
Luz cita ainda a sobretaxa do produto pela Argentina, o que encarece ainda mais. Situação que não deve mudar neste ano, pelo contrário. "Deve continuar neste patamar e mais perto do final do ano tende a subir mais."