O senador Renan Calheiros (MDB-AL) terminou, no começo da tarde desta quarta-feira (20), a leitura do relatório final da CPI da Covid. O parecer de Renan responsabiliza diretamente o presidente Jair Bolsonaro pelo descontrole da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Além de Bolsonaro, o documento indicia outras 65 pessoas.
No relatório de Renan, Bolsonaro é enquadrado em dez grupos de crimes. No caso dos crimes de responsabilidade, que podem embasar um processo de impeachment, o presidente é acusado de violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.
"Nesse cenário, estamos convencidos de que o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e deve, na forma da legislação vigente, responder por essa infração político-administrativa", escreveu Renan no relatório. O impeachment de Bolsonaro a um ano das eleições é um cenário apontado como improvável nos bastidores.
O senador ainda acusou Bolsonaro de agir deliberadamente para atrasar a compra de vacinas contra a Covid-19. "Com esse comportamento o governo federal, que tinha o dever legal de agir, assentiu coma morte de brasileiras e brasileiros", disse Renan, para quem 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas com a antecipação das doses.
O documento deve ser votado no próximo dia 26 e ainda poderá sofrer alterações, após sugestões de senadores. Para Renan, o governo foi omisso e agiu de forma "não técnica e desidiosa" no enfrentamento da pandemia, expondo "deliberadamente" a população ao risco de infecção.
O relator da CPI da Covid, no entanto, desistiu de propor uma alteração na lei do impeachment para obrigar o presidente da Câmara a decidir sobre a denúncia encaminhada pela comissão, como havia anunciado anteriormente. Dessa forma, qualquer decisão nesse sentido dependerá exclusivamente de ato de Arthur Lira, aliado de Bolsonaro no Congresso.
Para os crimes comuns, a investigação caberá à PGR, hoje chefiada por Augusto Aras, indicado por Bolsonaro. Em declarações recentes, inclusive durante sabatina no Senado, Aras prometeu avaliar as conclusões da CPI e negou omissão nas investigações. Mesmo se o procurador resolver denunciar Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), o avanço do processo por crime comum precisará ser autorizado pela Câmara.
No documento, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), sugere que cinco supostos integrantes do chamado "gabinete paralelo" sejam indiciados pelo crime de epidemia com resultado em morte, previsto no Código Penal. A proposta enquadra a médica Nise Yamaguchi, o ex-assessor da Presidência da República Arthur Weintraub, o biólogo Paolo Zanotto, o deputado federal Osmar Terra e o empresário Carlos Wizard. Sobre Terra e Wizard, Renan também conclui que ambos teriam cometido ainda incitação ao crime.
O senador afirma no relatório que, com toda a investigação, a comissão restou "convencida" da existência de um gabinete paralelo de assessoramento ao presidente da República em assuntos da pandemia, formado por técnicos que não integram o Ministério da Saúde. Para Renan, eles teriam "grande influência" sobre as opiniões de Bolsonaro e consequentemente sobre a condução do governo federal durante a crise sanitária.
Renan conclui que a estratégia pela busca da imunidade de rebanho por infecção levou Bolsonaro a "resistir fortemente à implementação de medidas não farmacológicas", como o uso de máscaras e o distanciamento social, bem como a não promover a celeridade necessária na aquisição de vacinas.
"Ademais, levou o chefe do Poder Executivo Federal a dar ênfase ao uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no combate da covid-19. Tudo isso colaborou para a propagação do vírus da Covid-19", afirma Renan.
Na visão do senador, a pandemia não teria tomado o curso que tomou no Brasil sem esse assessoramento paralelo ao presidente, que "influenciou diretamente suas decisões e seu discurso desde o início".
"Os integrantes do gabinete paralelo tinham conhecimento do uso que o presidente estava fazendo das informações fornecidas e, ainda assim, o assessoramento prosseguiu por todo o ano de 2020 e início de 2021. Parece clara a exigibilidade de conduta diversa (culpabilidade). Em razão disso, devem ser responsabilizados Nise Yamaguchi, Osmar Terra, Arthur Weintraub, Carlos Wizard e Paolo Zanotto pelo crime de epidemia", afirma Renan.
Renan Calheiros limitou a responsabilização de autoridades sobre o colapso no sistema de saúde em Manaus no relatório final da CPI da Covid. O parecer enquadra o ex-ministro Eduardo Pazuello e a secretária Mayra Pinheiro, do Ministério da Saúde, pelo caos na capital do Amazonas. Por outro lado, Renan decidiu não indiciar crimes de autoridades locais e foi alvo de críticas.
O colapso em Manaus após a falta de oxigênio em hospitais, a flexibilização de medidas de isolamento e o incentivo ao tratamento precoce foi a primeira causa incluída no escopo da CPI quando a comissão foi instalada, em abril. O relatório final apresentado pelo relator traz um capítulo sobre a situação em Manaus, denominado "Crise do Estado do Amazonas e a falta de coordenação do governo federal".
Ao relatar os episódios levantados pela comissão e os depoimentos ocorridos ao longo do funcionamento do colegiado, Renan concluiu que a secretária Mayra Pinheiro e o ex-ministro Pazuello, "pela omissão e pelo foco no tratamento precoce, e por terem feito de Manaus um laboratório humano, praticaram crime contra a humanidade e crime de prevaricação." Os dois estão na lista de indiciados do relator.
No caso de autoridades locais, o relator da CPI destacou que as condutas estão sendo investigadas por órgãos de controle e que espera a responsabilização se for comprovada a ocorrência de crime. Desde o início, Renan argumenta que o Senado não pode investigar Estados e municípios. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que continuará defendendo a responsabilização de eventuais culpados pela crise no Estado.
Integrante da CPI, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) criticou essa parte do relatório final e pediu a inclusão do governador Wilson Lima (PSC) na lista de indiciados. "É inaceitável que o relatório final não peça punição de nenhum dos responsáveis pelo caos vivido no Estado do Amazonas", disse o emedebista. "Não há nenhuma dúvida de que houve uma série de crimes e de criminosos que precisam ser punidos. Por isso, o Amazonas continua se sentindo injustiçado."